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segunda-feira, 17 de agosto de 2009

DUAS FORMAS DE OLHAR A VIDA


Por Luiz Eladio Humbert


Vale à pena acreditar na existência de Cristo e na existência de Buda. No mínimo, tudo que se disse a respeito da personalidade deles e da vida que levaram nos serve de exemplo e de parâmetro, quando nossas ações são para mudar a sociedade insustentável e evitar que o mundo continue caminhando para um triste fim.

Cristo e Buda são dois modos distintos de encarar a realidade.

Cristo não tinha planos para esta vida. Sabendo que toda a autoridade é prejudicial à vida, Cristo buscou a libertação na dor, acolhendo-a com alegria e resignação, acreditando que a personalidade humana se eleva na dor. Portanto, Cristo não se insurgiu contra a autoridade. Sujeitou-se à autoridade imperial de Roma e à autoridade eclesiástica da igreja judaica, sem usar os seus divinos poderes e força para se defender da violência política e religiosa. Cristo não tinha planos de reformar ou de reconstruir a sociedade.

Cristo pregava contra a ambição insana dos poderosos com uma atitude serena, a mesma atitude de Gandhi contra a violência do império britânico, postura estóica que veio a se chamar de resistência pacífica. Atitude positiva, que é muito diferente da permissividade atual de todos os omissos, passivos e indiferentes à realidade social, que, por ambição ou covardia, se tornam cúmplices da violência da usura das classes dominantes, que gera todas as demais formas de violência social, política e ambiental.

Ao contrário de Cristo, Buda só tinha planos para esta vida. Substituir a sociedade plutocrática segregacionista por uma nova sociedade instituída em bases igualitárias, uma sociedade comunitária, livre da fome, da pobreza material, da pobreza espiritual e do sofrimento. Portanto, Buda desenhou e fortaleceu o caminho para uma nova sociedade livre de hierarquia e de competição; uma nova sociedade baseada na solidariedade natural entre irmãos.

Seiscentos anos antes de Cristo, Buda intui que a suposta divindade criadora de todo universo é apenas energia imaterial, sem conteúdo e sem forma, de onde tudo vem e para onde tudo vai. E essa “divindade suprema”, a pura energia da vida, está em cada corpo do universo, está em todos os corpos minerais, vegetais, animais, humanos e culturais. Portanto, para Buda, o sublime mandamento é amar a si próprio sobre todas as coisas e ao próximo, todos os próximos, de todos os reinos da natureza, como a si mesmo.

Seiscentos anos depois de Buda, Cristo, filho de Deus, ensinou que Seu Pai está no paraíso, bem distante de nós e dessa vida, e que a lei de Deus se resume a um só mandamento: amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo.

E nós, praticantes budistas da Casa da Aranha, nos propomos realizar pacificamente a revolução de trazer Deus de volta ao homem e à natureza, porque o paraíso tem que ser aqui e agora. E seguirmos por esse caminho revolucionário. Nós acreditamos no projeto budista de reconstrução da sociedade. Queremos agir pacificamente para acabar com a pobreza e com toda a dor e sofrimento que ela acarreta. Acreditamos no socialismo de Antonio Conselheiro, de Simon Bolívar, de Gaspar Francia e na Ciência Holística como meios revolucionários. Em vez do individualismo competitivo, vivemos o individualismo solidário, cuja expressão é a alegria.

Como bem disse o poeta inglês,
a dor não é a forma suprema de perfeição. Meramente provisória, a dor é um protesto. A dor está presa aos meios iníquos, doentios e injustos. Quando a iniqüidade, a doença e a injustiça forem erradicadas, não haverá mais lugar para a dor. Porque o que todos nós buscamos não é o sofrimento, mas o prazer. O supremo prazer de viver intensamente, sem oprimir o nosso semelhante, nem por ele ser oprimido. Queremos que todas as nossas atividades sejam agradáveis e em benefício de todos. Os gregos tentaram o bem comum, mas não o alcançaram, a não ser no mundo das idéias, porque eles tinham escravos e os alimentavam. A Renascença também tentou, mas também não alcançou, porque eles tinham escravos e os deixava morrer de fome”.

O século 21 se inicia com o recrudescimento da Renascença no neoliberalismo econômico, implantado no mundo após a derrocada da União Soviética, quando os mais ricos capitalistas do planeta tiveram a coragem de entender que apenas 20 por cento da humanidade pode produzir o necessário à boa vida desses 20 por cento. Os restantes oitenta por cento estão vivos para morrer de fome.

Cristo nasceu pobre e viveu entre os humildes. Buda nasceu rico, abandonou os seus palácios e passou a viver a simplicidade de uma vida comunitária, plena de alegria, felicidade e realizações. Exemplo e modelo para todos nós, inconformados com a violência da desigualdade social, insatisfeitos com a miséria e a insegurança da sociedade atual.

O que Cristo e Buda tinham em comum é ter se despojado de tudo que possuíam ou de tudo que poderiam vir a possuir, para que nada faltasse ao seu irmão. É precisamente esse o nosso melhor compromisso e o grande desafio para os que querem mudar essa sociedade insustentável e lutam para impedir que o mundo continue caminhando para um triste fim.


Cap. 9 - pág. 36-37 do Livro Eletrônico: O Caminho da Casa da Aranha

*Luiz Eladio Humbert, Lalado, é praticante budista e letrista do GRAMPO

Um comentário:

  1. Clemente Ferreira diz:

    Otimo texto, Lalado. Numa época em que o obscurantismo religioso parece romper novamente a terra da racionalidade que o encerrou, é vivificante ler uma análise que lança esclarecedora luz sobre os grandes principios cristãs e budista que nortearam a dimensão simbolica da humanidade. O sofrimento bem aproveitado é em ultima instancia, um mecanismo natural fantastico que nos possibilita novamnente e sempre experienciar a realidade e a verdade, situadas por sua vez, alem das ilusões que nos são ofertadas, à modicas prestações, nos shopping centers da vida. Estar no mundo,mas não ser do mundo já dizia o sabio judeu.

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